Terceira Carta
Terceira Carta
A CARLO MAGNI
28 de julho de 1531
Respondo sua carta de 23 do corrente
Prezado amigo e irmão Carlos.
Eu
tenho rezado sempre por você diante do Cristo Crucificado, porque
preciso aprender primeiro o que eu quero ensinar-lhe. Se você não
tivesse insistido com tanta firmeza, eu nem teria começado esta carta.
Eu não sei tudo, mas mesmo assim, vou tentar ser bem claro!
Bem,
meu irmão em Cristo, já que suas atividades são muitas, são difíceis e
ocupam tanto o seu tempo, você precisa encontrar um jeito de viver de
acordo com elas. Por isso, eu desejo propor-lhe as três coisas
seguintes, para serem vividas de acordo com suas possibilidades.
Primeira
coisa: faça suas orações pela manhã, à tarde, em qualquer hora,
preparando-se antes, ou de acordo com a ocasião; de todas as maneiras:
deitado na cama, ajoelhado, sentado, ou de qualquer outro jeito que você
quiser, principalmente antes de começar as atividades do dia; que essas
orações não tenham formas já estabelecidas, e durem um pequeno espaço
de tempo, ou longo, conforme Deus permitir.
Rezando,
você procure dialogar com Cristo a respeito de tudo o que acontecer,
até sobre as dúvidas e dificuldades, especialmente nos momentos das
maiores incertezas, dizendo para Ele o que está a favor e o que
atrapalha as suas decisões. Faça isso da maneira mais breve possível,
dizendo-lhe a decisão que parece ser a melhor ou, então, perguntando ao
Cristo o que Ele acha a respeito. Certamente que Ele não lhe negará sua
opinião, se você insistir; aliás, eu lhe garanto que Ele atenderá os
seus pedidos.
De
fato, eu não acredito que possa existir melhor conhecedor das leis dos
homens, do que Aquele que fez as próprias leis, ainda mais se for O que
tem em Si todas as regras e todas as normas. E, se Ele sabe desmascarar e
esvaziar os pensamentos dos demônios, saberá desmascarar ainda mais os
raciocínios dos homens!
Quem
não acredita nisso, não acredita também que Deus tem carinho por nós e
que não deixa cair um só cabelo de nossa cabeça (Lc 21,18) e acredita
menos ainda que Ele seja tão sábio, que torna todos os sábios desse
mundo, loucos e ignorantes (1Cor 1,19-25). E se Deus faz isso com quem
se dirige a Ele para ficar livre das confusões dos homens de hoje, que
parecem ter sido feitas de propósito para afastar o homem de Deus,
imagina se Ele não vai resolver problemas menores! E, por assim dizer,
se até na distração, o homem se une a Deus, quanto mais nas outras
situações e nos momentos de recolhimento?
Experimente, então, meu caro amigo, dialogar familiarmente com o Cristo
Crucificado, por um espaço de tempo curto ou longo, conforme a
oportunidade, como você faria comigo - e converse com Ele sobre suas
coisas e também Lhe peça conselhos, sejam quais forem os assuntos:
pessoais, materiais, seus ou dos outros.
Se
você usar este método, eu lhe garanto que conseguirá grande progresso e
sentirá nascer em si maior união com o Cristo e maior amor por Ele. Não
digo mais nada, pois só a experiência será suficiente.
A
segunda coisa que o ajudará a viver o que eu disse antes e trará para
você mais e mais graças de Deus, é a frequente elevação da mente
(contemplação). Caro amigo, a elevação da mente é necessária, pois onde
há maior perigo e se trata de coisas mais importantes, é aí mesmo que o
cuidado deve ser maior e a atenção redobrada.
O
homem, por natureza, acha difícil ficar concentrado numa coisa só e,
para o homem que tem o mau hábito de ficar distraído, unir-se a Deus é
mais difícil ainda. E é difícil demais ser obrigado a ocupar-se de
atividades que nos separam de Deus e não ficar separado Dele de verdade:
é a mesma coisa que entrar na chuva sem se molhar.
Isso
é claro! Mas o que parece impossível, se torna muito fácil com a ajuda
de Deus, desde que não neguemos a nossa colaboração e tenhamos aquele
cuidado e esforço pessoal, que são dons de Deus para nós.
Portanto,
se nós quisermos estar com Deus e, ao mesmo tempo, agir, falar, pensar,
ler ou resolver problemas, o jeito é elevar, muitas vezes, os olhos de
nossa mente a Deus, por pouco ou por muito tempo, tal como faríamos com
um nosso amigo. Não podendo parar para conversar com ele, por causa das
ocupações importantes do dia-a-dia, como por exemplo, conferir uma
mercadoria para ser despachada bem naquela hora, logo de início é só
dizer para Ele: "Você, meu amigo, me perdoa se não posso dar-lhe atenção
agora? Eu tenho muita coisa a fazer, mas logo que eu acabar, a gente
conversa! Você pode esperar?" Ou então, até quando estivermos
escrevendo, de vez em quando é só levantar os olhos, fixando-os Nele,
para falar sobre o que estamos fazendo, ou para dizer: já vai! Ou então,
vamos usando algum recurso que, embora não nos permita falar com o
amigo, serve para entretê-lo. Isso não nos afasta do nosso trabalho, que
nem será prejudicado pela presença do amigo.
É
desse jeito que você deverá fazer: praticamente não haverá prejuízo
para seus estudos e ocupações. Antes de começar qualquer coisa, diga
espontaneamente ao Cristo umas poucas palavras e, ao longo do dia de
trabalho, eleve sua mente a Deus frequentemente. Isso será muito bom e
você não vai perder nada se comportando assim.
Preocupe-se,
principalmente no começo do seu trabalho ou do que você faz para os
outros, aquele de todos os dias ou os imprevistos, atendendo diretamente
os outros, ou nas suas atividades pessoais, dedicar tudo a Deus com
aquela pequena oração que Ele lhe inspirar, ou com palavras de acordo
com seus pensamentos e desejos e de qualquer outro jeito; e assim
agindo, pensando ou executando suas atividades, eleve frequentemente seu
pensamento a Deus. Se, porém, as coisas se prolongarem, procure
interrompê-las por breves momentos, como por exemplo, pelo espaço de uma
Ave Maria ou como lhe agradar e faça a oração que Deus lhe inspirar. E
isso, você poderá repetir várias vezes, conforme a demora das coisas.
Seguindo
este método, você se acostumará a fazer suas orações com facilidade,
sem prejudicar seus afazeres nem sua saúde e rezará sempre, de modo que
bebendo, comendo, trabalhando, falando, estudando, escrevendo... (1Cor
10,31), você estará rezando e o trabalho, não impedirá a elevação da
mente e a ocupação espiritual, nem essas atrapalharão o seu trabalho.
Agindo de outra maneira, você será um homem bom, não um bom cristão, tal
como Cristo quer e como o chamou para ser. Isso você saberá se refletir
bem sobre o modo que Ele usou para conduzi-lo a Si. Aviso-o sobre isso e
lhe indico o modo de ser um bom Cristão, se for isso que você quer - eu
acho que sim - para que mais tarde não se arrependa, o que seria de
grande tristeza para mim.
Caríssimo,
se as minhas palavras têm algum valor para você, eu o exorto peço-lhe e
o obrigo em Cristo e por Cristo: abra os olhos e preste atenção no que
acabo de escrever, leia com os fatos e não somente com os olhos; fazendo
assim, eu lhe garanto que você se tornará outra pessoa, bem diferente
do que é agora, do jeito que deve ser, carregando o peso que Deus
colocou e ainda vai colocar, de muitos modos, sobre seus ombros. Agindo
de outra maneira, você não cumprirá os deveres que tem perante Deus e o
próximo e, por isso, não terá desculpa e será punido como transgressor.
Atenção!
Procure compreender e viver bem o que lhe expliquei; mas, colocando em
prática o primeiro conselho, obedeça ao terceiro, que vem a seguir, sem o
qual, todo o seu esforço terá pouco valor e importância diante de
Cristo.
Ora,
a terceira coisa é a seguinte: na meditação, na oração, nos
pensamentos, esforce-se para conhecer os seus principais defeitos e,
acima de todos, aquele defeito que, como comandante geral, chefia os
outros que existem em você. Querendo acabar com ele, esforce-se também
para acabar com os outros que aparecerem, do mesmo jeito que faz quem
deseja matar o comandante do exército inimigo, que fica protegido no
meio de suas tropas: tendo os olhos sempre voltados para o que é o mais
importante, abra caminho até ele, matando todos os que estiverem na
frente. É assim que você deve fazer no combate aos seus defeitos.
Se
você me perguntar qual o maior defeito que eu percebo na sua pessoa, eu
lhe digo - com muita humildade - que, apesar de você dar muita atenção à
sensualidade, esse não é seu defeito principal e sim a ira e a perda da
tranquilidade, que vem da soberba, porque você sabe e conhece muita
coisa, já que estudou e tem competência, por causa de suas qualidades e
pela prática da vida. De fato, pensando bem, é isso que faz você perder o
controle, o que o perturba e o leva a fazer gestos obscenos e a falar
palavrões. A soberba produz em você outros frutos ruins e efeitos
negativos.
Mostrei-lhe
o mal que é a mãe de todos os seus defeitos; acabe com ele: desse modo,
não fará nascer filhos em você. Descubra sozinho os remédios e o modo,
para vencer este mal. Se não conseguir encontrá-lo, quem sabe, da
próxima vez, quando eu lhe escrever ou falar pessoalmente. Se, no
entanto, não for esse seu defeito principal (eu acho que sim), procure
descobrir qual é e acabe com ele.
Observando
tudo isso, você chegará à intimidade com o Cristo Crucificado. Mas,
comportando-se de modo diferente, você ficará bem longe: e é isso que eu
não quero ver em você, porque o considero muito como irmão em Cristo.
Amém. Já comprei e vou mandar para você, material de impressão bom e
novo. É baratinho! Vou mandar para aí alguns livros de espiritualidade
melhores do que os que já existem. E olha que eu mando mesmo! Convença
os amigos a comprá-los, pois são muito úteis para quem quer progredir
nesta vida.
Quanto ao Frei Bono, nós o perdemos. Ele está correndo de mim, ou parece que está fugindo, por causa de suas obrigações. Fico três ou quatro dias sem o ver e mesmo quando está aqui, mal consigo falar com ele. Parece que ele tem medo que o convide para ficar conosco. Gostei da carta que você escreveu para ele, mas está precisando de um empurrão maior. Procure insistir.
Quanto ao Frei Bono, nós o perdemos. Ele está correndo de mim, ou parece que está fugindo, por causa de suas obrigações. Fico três ou quatro dias sem o ver e mesmo quando está aqui, mal consigo falar com ele. Parece que ele tem medo que o convide para ficar conosco. Gostei da carta que você escreveu para ele, mas está precisando de um empurrão maior. Procure insistir.
Vou escrever para os amigos. Lembranças a todos, um por um.
Muitas recomendações ao querido Pe. Primicério.
Seu filho e irmão em Cristo.
Pe. Antônio Maria Zaccaria.
Dados sobre a carta:
Destaques:
- É importante aprender com o Cristo, para ensinar os outros.
- A espiritualidade do Homem moderno:
-
Rezar a qualquer hora, de todas as maneiras e com qualquer duração, com
as próprias palavras, intimamente, de modo transparente.
-
Meditar como forma de estar sempre com Deus, ao longo das atividades do
dia. Pequenas preces ajudam a permanecer sempre na presença de Deus e a
viver a fraternidade.
- Auto-conhecimento: os defeitos, o desafio principal. Como acabar com os defeitos.
Personagem:
- Carlos Magni:
advogado e, provavelmente, também comerciante. Fez parte do grupo de
reflexão bíblica conhecido como “Amizade”, da cidade de Cremona.
Fonte: Escritos do fundador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário